por CARLOS DAVISSARA
Dudu esperou, esperou e esperou...
Primeiro, ele viu só um. Depois de uns dias, empolgou-se com o segundo. Então, apareceram o terceiro e o quarto. Na semana seguinte, para o seu êxtase total, viu brotarem o quinto, o sexto e o sétimo!
E foi só aí, convicto de ter debaixo do braço sete pelos respeitáveis e dignos do homem que julgava ser, que o garoto resolveu contar a novidade ao seu melhor amigo, Fábio, pois sabia que apenas três ou quatro fiozinhos de forma alguma o impressionariam.
Os dois saíam do futebol no campinho de terra quando Dudu criou coragem para anunciar:
— Aí, Fábio, olha só…
E levantou o braço para o amigo avaliar.
— O quê? Não estou vendo nada.
Impaciente, Dudu meteu a axila ao pé do nariz do colega.
— Vai, para de zoar, Fábio... Admite logo que eu tenho mais cabelo no sovaco do que você!
O outro começou a gargalhar descontroladamente. Engasgou de tanto rir.
— Ah, palhação! – exclamou, Dudu. – Dá risada aí, vai! Isso, pode dar. Está com inveja, não é? – Ele abaixou o braço e sorriu para disfarçar o constrangimento. – Aposto que você não tem nenhum! E quer rir dos outros ainda… Mostra o sovaco, então! Vamos ver quem tem mais pelo!
O desafio pareceu surtir efeito, pois no mesmo instante Fábio ficou muito sério e tirou a camiseta.
— Está se sentindo o tal, Dudu? Com esses fiapinhos aí?! Haha!
— “Haha”, nada! Deixe eu ver o seu sovaco peladinho, então!
Fábio fez uma expressão de desdém e começou a andar gingando.
— Dudu, pelo não é nada, moleque. Pelo debaixo do braço até minha avó tem. E tem até bigode, se você quer saber... Não vem se achando o homenzinho da turma não, porque, o principal, você ainda não tem.
Dudu pareceu confuso ao ouvir esse “principal”. Mas logo imaginou que o amigo estivesse querendo passá-lo para trás.
— Ah, para de conversinha, Fábio! Você está falando isso porque tem sovaco de menina e não quer me mostrar! Hehehe... Não tem problema, parceiro, pode mostrar... Eu já vi o da minha irmã, é normal, haha!
Mesmo com a provocação, Fábio permaneceu inabalável. Não esperneou, nem brigou. Na verdade, parecia não ter ouvido nada do que o amigo dissera. Estava com os olhos fechados e aspirando o ar, como um rato farejando queijo.
— Está sentindo, Dudu? – ele perguntou, todo misterioso. – Está sentindo esse cheiro no ar? Parece que está vindo... Vindo de onde, hein?... Não sei... Ah, espere aí, agora eu consegui pegar! Está perto, bem perto...
Nesse clima dramático, Fábio seguiu aspirando ar enquanto se movia à procura da origem do tal aroma. E tanto cheirou, farejou e fungou, que encontrou.
— Opa, achei!
Ele estava novamente com o nariz colado à axila de Dudu.
— E, olha só, Dudu! – Fábio fingiu admiração. – O cheirinho vem de você! Ah, como é bom o perfume das rosas...
Indignado e todo sem graça, Dudu empurrou o amigo.
— Que perfume de rosa o quê! Sai para lá, seu otário!
— Ih... vai ofender agora? Nem parece que é meu amigo, Dudu...
— Só porque eu te mostrei meu sovaco, vai ficar em cima dele a toda hora, é?
Fábio deu um risinho malicioso e começou a falar como um entendido do assunto.
— Dudu, Dudu... Um dia você vai compreender... Não adianta ter um, dois, meia dúzia de pelos de sovaco... Não adianta ter barba, bigode, cavanhaque desenhado... Não adianta ter pelinhos nas canelas, coxa cabeluda, perna de urso... Você pode até ter a selva amazônica no saco, meu parceiro! Mas, se não tiver o principal, nada disso vai adiantar e você nunca vai poder dizer que é um homem de verdade. Sinto muito...
Quando o “doutor” Fábio terminou, Dudu tinha a expressão mais cansada que já se viu. Sem contar a sua óbvia irritação pela lenga-lenga.
— Fábio, desculpe aí, cara, mas eu vou ter que falar de novo: como você é otário! Fica aí se fazendo de professorzinho, falando um monte de besteira... E até agora não mostrou o seu sovaco liso! Esse papinho de “principal”, que eu não tenho o “principal”, é só para me enrolar, que eu sei! Que porcaria de “principal” é esse?!
— Aaahh... Até que enfim! – Fábio empolgou-se e passou o braço por cima do ombro de Dudu, laçando-lhe o pescoço. – Pensei que não ia perguntar nunca! O que falta para você, Dudu, para dizer que é homem, é o cheiro.
— Cheiro?... Como assim?!
— Quer dizer, não é bem cheiro, mas, fedor.
— Fedor?!
— Isso. Fedor de homem.
— Fedor de homem? Cara, você é muito otá...
— Não vem me xingar de otário de novo não! Você que é um crianção que não sabe das coisas! Sente o cheiro aqui!
Fábio deu um passo para trás e levantou o braço. Sua axila estava mesmo lisa, como o amigo imaginava.
— Hahaha! – zombou, Dudu. – Não falei? Eu disse que era sovaco de menina!
— Vai, crianção, cheira logo aqui! Daí você vai ver quem é homem e quem é menininha...
Dudu demorou uns instantes para amenizar o riso. Ele tentou cheirar uma, duas, três vezes... Porém, não conseguiu. Conforme aproximava o nariz da axila do colega, começava a gargalhar. Era quase involuntário, mas ele também não fazia o menor esforço para se controlar.
É claro que Fábio já estava nervoso.
— Cheira logo essa !@#$%, moleque!!!
Dudu se assustou com o grito e o palavrão, mas sabia que o seu parceiro não estava nervoso de verdade. Ainda assim, preferiu não insistir na zoeira.
— Está bom, relaxa! Eu vou cheirar o bagulho.
E enquanto Dudu captava a fragrância do amigo, duas meninas que os conheciam caminhavam ali por perto e viam tudo. Elas olhavam, cochichavam e riam, olhavam, cochichavam e riam... Passaram e os garotos nem perceberam nada.
— E aí, sentiu? – perguntou, Fábio, abaixando o braço.
Dudu fez uma careta.
— Só senti seu fedor... Banho é bom de vez em quando, viu?!
— Larga de ser trouxa! É desse fedor mesmo que eu estou falando, crianção!
Dudu começou a rir novamente.
— Então, quer dizer que, só porque você fede e eu sou cheiroso, você é mais homem do que eu?! Hahahah... Até parece!
Fábio ficou inconformado.
— Ah! E não é, não?! Cara, eu não disse que você não sabe de nada? Pode perguntar para qualquer moleque, que você vai ver. É que todo o mundo já foi embora do campinho, senão a gente perguntava agora, daí eu ia querer só ver a sua cara de bobão! Haha!
— Parceiro, “larga de ser trouxa”, você! Se a gente perguntar para os moleques, todo o mundo vai é confirmar que quem tem mais cabelo no sovaco é que é mais homem! Só você, gambazão, é quem não sabe!
— Está bom, então! Vamos passar na casa de todos os moleques agora para ver quem está certo!
— Beleza! Então, vamos!
Quando Dudu e Fábio chegaram à residência do primeiro amigo, André, decidiram que, além de perguntar o que faz de um homem mais homem, o justo seria fazer também uma pesquisa quantitativa e qualitativa sobre a questão. Iriam conferir a quantidade de pelos e a qualidade do odor das axilas de todos os seus colegas.
André arranjou papel e lápis e os dois pesquisadores começaram o minucioso trabalho. Eles foram às casas de seis garotos e anotaram mais ou menos o seguinte:
PESQUISA DE CABELO NO SOVACO (SÓ VALE DE UM BRAÇO) E NÍVEL DE FEDOR
Moleque
|
Quanto
pelo?
|
Qual fedor?
|
O que disse
sobre o que faz mais homem?
|
Dudu
|
7
|
Perfume de rosas
|
“Quanto mais pelo, mais homem!”
|
Fábio
|
0
|
Gambá
|
“Homem mesmo é quem fede mais!”
|
Pezinho
|
-
|
-
|
(Tinha ido ao dentista)
|
Zica
|
1,5
|
Perfume Imperial Majesty
|
“O Ursão que manja disso...”
|
Pedrinho
|
9
|
Tapete molhado
|
“Minha mãe não deixa falar essas coisas...”
|
João
|
0,25
|
Queijo podre
|
“Melhor perguntar para o Ursão!”
|
André
|
2
|
Cheiro de nenê
|
“Meu pai falou que é trabalhar...”
|
Como dá para observar, a pesquisa não colheu dados muito significativos... No fim das contas, Dudu e Fábio só aproveitaram o tal do “Ursão”, que era como chamavam um indivíduo misterioso que morava no mesmo bairro que o deles.
O Ursão era uma espécie de mito entre os garotos. Eles o admiravam e o temiam ao mesmo tempo. Só quem fosse realmente corajoso conseguia se aproximar dele e ter uma conversa de igual para igual. E coragem não era o forte de Dudu e Fábio.
— Fábio, será que vale a pena ir lá mesmo? – questionou, Dudu, enquanto os dois seguiam para a casa do Ursão. – Você já conversou com ele alguma vez? Todo o mundo fala que ele é doido...
— É claro que vale a pena ir lá! – afirmou, convicto, Fábio. – Não era você o homem feito?! Deixe de medinho, então, e vamos lá, que eu não quero ficar no empate com um crianção que nem você nesse negócio de ser homem. Quando a gente falar com o Ursão você vai ver como ele fede. E, isso, porque ele já é homem de verdade, não um sete pelinhos como você!
Dudu estava mesmo com medo, e é claro que não ia admitir. Mas ele também não estava tão convencido da coragem do amigo.
— Claro que ele fede, Fábio! Dizem que ele nunca tomou banho, como não ia feder?! E quem falou que eu estou com medo, hein?! Quem está com medo é você, tenho certeza! Olha para as suas mãos, como estão tremendo... Haha!
— Larga de ser besta, Dudu! Tremendo? Eu?! Para de inventar coisa para disfarçar. Você é que não está se aguentando! Cuidado para não molhar as calças...
— Está bom, então! Quero ver quando chegar lá, se você vai ter coragem de falar com o Ursão. Eu é que vou conversar com ele!
— Duvido!
Os dois seguiram assim, se provocando e tentando se convencer de que eram muito valentes.
Andaram por um bom tempo até avistarem o morada de seus pesadelos, o local por onde nunca nem passaram perto, a temível cabana do Ursão! Sim, era onde o Ursão morava, uma cabana (outros diriam barraco, mas a molecada não gostava de chamá-la assim). O local ficava em uma das pontas do bairro. Para além dali, havia só um imenso matagal.
— Vai, Dudu, chame aí... – sugeriu, Fábio. – Quero ver se você vai conversar com ele mesmo...
— Quem falou que ia falar com ele foi você! Chame aí...
E já iam começar a brigar outra vez, quando ouviram um grito rouco:
— Quem está aí?!
Os dois garotos viraram estátuas. Só seus corações pareciam se mexer, pulsando forte como batedeiras de bolo.
Então viram um ser de feições indefinidas, com o dobro do tamanho deles e todo sujo. Era difícil enxergar alguma coisa por debaixo das roupas esfarrapadas e dos pelos, mas Dudu e Fábio acreditavam se tratar de uma pessoa. Ao menos parecia. E essa pessoa só podia ser o Ursão.
— O que vocês querem, moleques?! – ele perguntou gritando, pois era esse o único jeito de falar que o Ursão conhecia.
Os meninos balbuciavam palavras que nem mesmo um superouvido ouviria. O indivíduo já começava a se irritar.
— Vocês não sabem falar, não, suas tralhas?! O que querem?!
Mas não havia jeito dos meninos soltarem uma palavra que fosse. O medo era demais. As bocas não obedeciam.
Num gesto meio impensado, Dudu ofereceu ao Ursão a “Pesquisa de Cabelo no Sovaco e Nível de Fedor”, que por pouco não rasgou ao ser arrancada de sua mão.
Enquanto Dudu e Fábio não ousavam se mexer ou dizer qualquer coisa, o Ursão analisava o papel por segundos intermináveis, minutos eternos, horas infinitas...
— Foi por causa desta idiotice que vocês me acordaram?! – ele protestou. – Que besteira é esta?!
Nesse momento, Fábio quase molhou a cueca. Chegou a sentir um comecinho de xixi fugindo, mas conseguiu se travar a tempo e escapar do que seria a sua humilhação total.
Dudu percebeu o aperto do colega e, num ato de bravura, levantou o seu braço dos setes pelos. Achava que isso faria o Ursão entender a situação e o deixaria mais calmo, porém...
— Moleques #@$#!, eu vou acabar com vocês!!!
No desespero de estarem prestes a morrer, finalmente, os garotos acordaram. Mas, antes que conseguissem fugir, já estavam presos pelos braços e suspensos no ar. Em pânico, falavam um por cima do outro.
— Não, Ursão! Por favor... Não mate a gente!... A gente só queria ser homem... É, Ursão!... Homem que nem você... É, o Dudu quer ser peludo igual a você!... É, e o Fábio que feder igual a você!... Deixe a gente ir!... Por favor, Ursão!
Os meninos só não choraram porque, isso sim, seria a prova definitiva de que não eram homens. E eles não chegaram até ali para serem os bebês chorões da história!
Para a alegria dos dois, o Ursão os soltou e fez uma cara um pouquinho menos terrível.
— Então, quer dizer que eu sou peludo e fedido?!
— Não, Ursão! – exclamou, Fábio. — Não é isso... Eu... eu também sou fedido...
— É, Ursão! – confirmou, Dudu. — Ele fede mesmo! E eu tenho uns pelos... Quer dizer... É que... Está aí nesse papel, dá uma olhada!
Dudu e Fábio se observavam apreensivos, enquanto o Ursão reexaminava a “Pesquisa de Cabelo no Sovaco e Nível de Fedor”.
— Agora eu entendi isso aqui! – ele afirmou, ainda gritando. – Então, vocês estão querendo saber quem é o mais macho?!
— É... – confirmou, meio hesitante, Dudu. – É isso, Ursão. O mais macho... Mais homem... Tanto faz, não é? É isso mesmo.
— E foram perguntar para esses moleques mela-cuecas?!
— É que... que... – Fábio começou a gaguejar. – Sã.. sã... são nos.. nos.. nossos...
— Que #@$#!! Fala direito!
Outra vez, Dudu se apressou para salvar o amigo:
— São nossos colegas!!!
— Calma, moleque, não precisa gritar! – comentou, gritando, o Ursão. — Vocês conhecem o João e o Zica?!
Eles confirmaram com a cabeça.
— Eu gosto daqueles moleques! – afirmou, o Ursão. — De vez em quando, eu pego eles para brincar aqui comigo! Se eles falaram que eu sei o que é ser homem, acho que gostaram das brincadeiras!
Nesse momento, o resto de coragem que ainda havia nos garotos evaporou. Os dois tiveram a impressão de ter visto o Ursão piscando quando disse a palavra “brincar”, mas algo lhes dizia que essa brincadeira não devia ser muito divertida.
Dudu foi o primeiro a se render.
— Por favor, Ursão – ele falava começando a chorar. – Deixe a gente ir embora, por favor, por favor, por favor...
— Cale a boca, que você está me irritando! Agora, mostre esse sovaco e deixe eu ver se você é homem mesmo!
O menino levantou o braço lentamente, chorando ainda mais.
— É... Estou vendo uns fiapos! – ironizou, o Ursão. – São sete, não é?! Então, você deve ser o Dudu! Agora deixe eu sentir o cheiro! Hum! É o perfume de rosas, não é?! Já dá para você ser meu bichinho de pelúcia, Dudu!
O garoto olhou para o amigo em busca de socorro. Contudo, para o seu desespero, Fábio chorava mais que ele e, pelo visto, a trava do xixi já havia sido liberada há tempos.
— Agora, você! – gritou, o Ursão, para Fábio. – Levante o braço!
Fábio temia por esse momento. Se, com sete pelos, o amigo seria o bichinho de pelúcia do maníaco, imagine ele sem pelo nenhum!
— Olhe só! – exclamou, o Ursão. – Sovaco peladinho! Você é o Fábio! E acha que homem mesmo tem que feder, não é?! Então, vamos sentir esse fedor!
O garoto viu aquela cara peluda roçar em sua axila e sentiu calafrios.
— Este que era o fedor de gambá?! – zombou, o Ursão. – Esta pesquisa de vocês é uma piada! Este sovaco está mais para coelhinho! Agora, fedor mesmo está vindo é de baixo! Parece que o Fabinho fez xixi nas fraldas!
Num reflexo, o menino cobriu a roupa molhada com as mãos.
— Não precisa ter vergonha! Deixe, que o tio Ursão troca a fraldinha do nenê! Vamos lá dentro, que eu dou um jeito!
A ideia de entrarem na cabana do Ursão trouxe de volta aos garotos a força para lutarem pela vida. Os dois começaram a dar pequenos passos para trás, enquanto imploravam por clemência.
— Não, por favor... Por favor, não... Não, por favor... Por favor, não...
Pela primeira vez, o Ursão falou sem gritar:
— Vocês vão embora? Agora que está tudo combinado? O Dudu é o meu bichinho de pelúcia e o Fábio é o meu bebê. Vem, vamos lá brincar no meu quarto...
Os meninos seguiam com seus passinhos para trás e suas súplicas, enquanto o Ursão não mais gritava e nem falava. Apenas sussurrava:
— Agora, é a prova final de quem é mesmo homem... Deixe eu ver quem tem mais pelos no pintinho...
Ao ouvirem isso, Dudu e Fábio tomaram um susto tão grande, mas tão grande, que deram um salto acrobático para trás e correram como se fugissem de um urso de verdade!
Já distante, o Ursão ainda insistia:
— Ei! Calma aí, meninos! Não precisam mostrar não! Vem, vamos brincar!
Mas, é claro que os dois não ouviam mais nada. Preocupados em fugir, só corriam e se incentivavam com frases de efeito:
— Corre, Bichinho de Pelúcia!
— Corre, Bebê mijão!
Quando já estavam a salvo e de fôlego recuperado, começaram a relembrar a cena e fazer os devidos comentários.
— Cara, você não parava de gaguejar! – provocou, Dudu.
— Pelo menos não fui eu quem começou o chororô, seu bebezão!
— Ah, é?! Que eu saiba, o Bebê Mijão é você!
— Ah, é?! Então, vê só a sua roupa...
Dudu olhou para baixo e entendeu: também havia feito xixi.
— Nossa! Acho que o medo foi tanto, que eu nem senti nada.
Os dois se miraram, viram o estado em que estavam e começaram a rir.
— Cara, esse Ursão é maluco – afirmou, Dudu.
— Com certeza! Nunca mais eu chego perto dele.
— Nem eu!
— Agora, é sério, Dudu. Valeu por ter me ajudado lá. Eu vi que você tentou aliviar o meu lado com o Ursão. Valeu mesmo.
— Relaxe, você é meu parceiro!
— Vou falar a verdade: eu estava com o maior medo.
— Eu sei. Eu também estava!
E novamente riram um do outro.
— E na hora em que ele disse: “mostre esse sovaco!”?! – comentou, Dudu, fazendo a voz do Ursão. – Eu quase morri!
— E eu, levantando o braço?! Acho que eu estava tremendo mais do que velhinho com Parkinson! – E ergueu o braço lentamente, fingindo ainda estar de frente para o Ursão.
Dudu, entrando na brincadeira, também ergueu o seu.
E permaneceram assim por uns segundos, como duas estátuas de reis acenando para os súditos, até que Fábio se espantou com algo.
— Dudu, o que aconteceu com os seus pelos?!
— Como assim?
Fábio chegou bem perto da axila do amigo e começou a contar os fios.
— Um, dois, três, quatro... E só. Só quatro pelos.
— Mas, eu tinha sete! Cadê os outros?
— Vai saber... Devem ter caído quando a gente estava correndo. Só tem quatro mesmo, parceiro.
Dudu fez um bico de desagrado. De súbito, também se espantou com algo.
— E o que é isso aí no seu sovaco, Fábio?!
— Sei lá! Deve ser sujeira.
— Não, não é sujeira. Agora que eu estou vendo direito. É um pelo, Fábio! Deve ter crescido agora. E é um pelo de homem mesmo, olha só... Não é fininho igual aos meus...
Fábio achou aquilo estranho. Um pelo nascer e crescer assim, tão rápido? Só podia ser zoeira do colega. Contudo, quando torceu o pescoço para poder enxergar, de fato, o pelo estava lá.
— Ei, espere um pouco... – ele disse desconfiado. – Este negócio está esquisito. Muito grosso e preto demais.
— É mesmo – concordou, Dudu.
Fábio cutucou o pelo com o dedo e notou que não estava enraizado, mas apenas grudado em seu suor.
— Com certeza, não é meu – constatou, pegando o pelo e o aproximando do nariz. – Credo! Ainda por cima tem cheiro de plástico queimado!
— Eita, Fábio, isso aí deve ser do Ursão! Cara, que nojo!
Não havia como contestar. Aquele pelo só podia ter vindo de alguma barba muito fedida.
Ao se dar conta disso, Fábio se desfez do “resto de Ursão” no mesmo instante. O coitado parecia estar se livrando da cobra mais venenosa. E começou a tossir, cuspir e esfregar o rosto feito alguém que acabou de engolir uma mosca.
— Calma, parceiro – Dudu fingiu solidariedade. – Relaxe, senão vai acabar vomitando na sua roupa lavada. Ops! Quero dizer, mijada. Hahaha!
— Ah, seu trouxa! – retrucou, Fábio. – Vamos ver você, agora, se achando o machão só com quatro cabelinhos no sovaco! Isso, sim, vai ser engraçado!
— Pelo menos, são meus, e não emprestados do Ursão. Hehe...
— Cara, já era isso aí – comentou, Fábio, sinceramente aborrecido. – Vamos para casa, que eu quero trocar de roupa e contar logo para os moleques o que aconteceu. Eles não vão acreditar...
— Nossa, eles vão ficar doidos de saberem que a gente enfrentou o Ursão! – empolgou-se, Dudu. – Então, está beleza, Fábio. Mas acho que o melhor é ir logo tomar um banho, que agora estamos mais fedidos do que qualquer homem!
De brincadeira, começaram a se cheirar, distraídos, enquanto riam muito. Nem perceberam as meninas admirando o comportamento deles. Aquelas de antes, que os conheciam. As tais passavam por ali outra vez. E olhavam, cochichavam e riam... Olhavam, cochichavam e riam...
Mas as duas também não notaram algo... Logo atrás delas, vinha um homem, concentrado em sua rápida caminhada...
E se você está pensando que era o Ursão, sinto em lhe dizer que está enganado. Na verdade, era o pai do André. Lembra o André, que emprestou lápis e papel para a pesquisa dos meninos? Esse mesmo.
Pois era o pai dele. Apenas um homem indo trabalhar.
- FIM -

A molecada é assim mesmo. Muito bom!
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